Dentre os blogs literários que visitei, o “Vício da Poesia” ainda é o meu preferido, sendo ele de autoria de Carlos Mendonça Lopes, a quem remeti o conteúdo de meu livro “Vestígios da Sétima Arte”, sem as alterações efetuadas quando da publicação pela editora Mariposa Cartonera. E fui agraciado com a resposta do referido autor, cuja transcrição faço a seguir:
Caro Jorge Amorim
Li com interesse o livro que me enviou. Sei que não espera nenhum comentário crítico à oficina poética, por isso dele me dispenso.
Sobrepor à visualidade explícita de uma história a subtileza da palavra poética é aventura de incerto resultado. Encontro dois poemas que destaco do conjunto: O labirinto do fauno e Viver, por me parecerem revelar o que faz sentido neste tipo de aventura: o reflexo no espectador da história a que acaba de assistir. Quem conta acrescenta um ponto diz um ditado popular em Portugal, de onde lhe escrevo.
E sim, gosto de algum cinema. Salpicado no blog e em alguns textos longos dele se fala, incluindo de Amarcord, recorrentemente referido, e é pretexto para um seu poema. Se pesquisar o blog por cinema, eles surgirão.
Obrigado por ler o blog e pela consideração do envio do livro.
Um abraço,
Carlos Mendonça Lopes
Acato o que ele disse e acrescento: não há dúvidas que o enfoque particular, especialmente quando feito sem preocupações específicas de uma profissão, é marcado fortemente por elementos subjetivos. E essa presença é ainda mais forte se o ponto de vista pessoal - aqui seduzido por pretensões artísticas - volta-se para o passado e fala de algum produto de arte (uma distorção dentro de outra). Temos então, além do descompromisso com a literalidade, o distanciamento no tempo, a favorecer enganos e lembranças incorretas – ainda que não intencionais.
Mas não exatamente pelos motivos que apontei acima, pertinentes são os reparos feitos por Carlos Lopes ao meu esforço de escrever versos para falar de alguns filmes. Destaque-se também o cuidado que ele teve ao não mencionar minhas limitações no desenvolvimento do referido esforço. Seu comentário foi no sentido de que o projeto, por si só, já era precário desde o início - embora tenha destacado dois dos poemas como de algum êxito naquele empreendimento.
Convenhamos, basta um único poema que seja aceito pelo leitor para que se diga que o livro valeu a pena. Daí a minha satisfação e o agradecimento pela resposta recebida. Continuando, transcrevo os dois poemas nela destacados:
O LABIRINTO DO FAUNO
Milhões de meninas em todos os rincões
da terra estão sujeitas a dramas e situações
adversas até para mulheres adultas
Em situações tão duras não é incomum
que as meninas vejam seres incomuns
com nomes que variam conforme cada cultura
Temo que dentre eles estejam os faunos
talvez mitológicos, talvez de verdade
dependendo dos olhos com que são flagrados
Temo especialmente por minha neta
pois os faunos são entidades dúbias - nada
confiáveis, a começar pelos pés de bode
Diretamente do labirinto temo
também por desconfiar de quem usa botas
ou sapatos sem qualquer dificuldade
E mais não digo. (Como viver sem confiar?
Como confiar sem sofrer?) Pela internet
(labirinto moderno de homens e mitos)
mando beijos e sorrisos a minha neta
VIVER
Nesta vida tão ínfima
apaixonar-se, querida,
é o melhor a fazer
Apaixonar-se a tempo
não para mendigar
o reconhecimento
ou o amor dos outros
mas para extrair o sumo
de nossos bons recursos
físicos e mentais
Pois se doer o estômago
sem querer alimentos
e não só sobre o corpo
pesar o mau agouro
talvez possa a paixão
por entre os escombros
dar-nos algum alento
Apaixonar-se a tempo
pois na paixão tardia
urge o desafio
de ela ser também moeda
para o apaixonado
pagar a travessia
do tenebroso rio
Nesta vida tão ínfima
apaixonar-se, querida,
é decisão bem-vinda
"O fauno", escultura de Victor Brecheret
Fotograma do filme "Viver"
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